Depois da ótima resposta ao primeiro texto sobre os grandes flops da Broadway, é claro que lançaríamos a continuação, abordando outros flops históricos. Como prometido, aqui está ela, com algum atraso, mas muitas histórias interessantes de grandes fracassos da Broadway para contar. Na parte 1 dessa série, falamos sobre os musicais Breakfast at Tiffany’s, Dude, Saravá, Carrie e Chess (se ainda não leu, clique aqui).

Dessa vez, os musicais foram selecionados com base no quão intrigantes são os fatos que os levaram ao fracasso, além de a grande maioria ser formada por espetáculos quase desconhecidos e com pouquíssimo material de estudo disponível. Então flops famosos e mais recentes, como Dance of the Vampires, Big Fish Amélie e Bright Star, ainda não entrarão na nossa lista.

Vamos logo para os flops, porque não é só de sucesso que a Broadway é feita.

 

Kelly
Estreia: 6 de fevereiro de 1965
Número de sessões: 7 previews e 1 apresentação

kelly2O que esperar de um musical sobre um jovem imigrante irlandês, chamado Hop Kelly, que aceita o desafio de pular da ponte do Brooklyn e sobreviver?
Baseado na história verdadeira de Steve Brodie, o musical também retrata um grupo de apostadores que, cansados de ver Hop Kelly desistir de pular diversas vezes e frustrar suas apostas sobre o destino do imigrante, resolvem jogar da ponte um boneco em tamanho real para acabar logo com a história. O flop começa já na pré-produção. As composições são de Mark Charlap (compositor de Peter Pan, único musical de sucesso de toda a sua carreira) e as letras e o texto de Eddie Lawrence, que nunca tinha escrito um musical antes. Durante os try-outs, que aconteceram em Boston e na Filadélfia, o texto foi totalmente reescrito por várias pessoas, sendo uma delas Mel Brooks.
Charlap e Lawrence chegaram a entrar na justiça contra os produtores do musical para que o material fosse restaurado antes de chegar à Broadway. As críticas dos try-outs foram de ruins para péssimas e, quando o musical finalmente abriu na Broadway, as críticas conseguiram ser ainda piores, fazendo o show fechar na noite de estreia. A atriz Ella Logan, que estava no elenco durante os try-outs e teve seu papel cortado no meio de todas as revisões do texto, foi parabenizada pela crítica pela sorte de nunca ter estreado no musical. Na época, o fechamento do musical atraiu muito a mídia, especialmente porque o investimento de 650.000 dólares foi perdido. No começo dos anos 80, uma gravação foi lançada, utilizando várias demos gravadas 15 anos antes, quando o musical estava em produção. Até hoje é considerado um dos piores cast recordings da história, impossível de escutar até o final.

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Into the Light
Estreia: 22 de outubro de 1986
Número de sessões: 13 previews e 6 apresentações

into the lightReceita para um fracasso: Santo Sudário, lasers, ciência, filho negligenciado e um amigo imaginário. Essas são as palavras-chave do enredo do musical Into the Light, sobre um fisicista que estuda o Santo Sudário e é tão obcecado pelo trabalho que começa a ter problemas familiares. Seu filho se sente tão negligenciado que cria um amigo imaginário mímico para lidar com a ausência do pai. O texto, músicas e letras são de pessoas com experiência na Broadway tão nula que nem compensa citá-las aqui. Dean Jones, o Bobby do elenco original de Company, era o único grande atrativo, que não foi suficiente para atrair o público após a crítica acabar com o espetáculo. Dean, como um grande religioso, acreditava muito no material e afirmou na época que “o teatro tem que inspirar, elevar o espírito”. Os personagens estavam sempre cantando sobre partículas, moléculas, matéria e antimatéria. As cenas de estudo do Santo Sudário se alternavam com cenas do filho com seu amigo imaginário que surgia da luz e era visível apenas para o público. O espetáculo conseguiu inclusive ofender muitos religiosos, principalmente em uma cena da música “Let There Be Light”, em que freiras, padres e arcebispos dançavam em aprovação ao projeto do estudo do Santo Sudário. Era em momentos como esse que o musical arrancava gargalhadas da plateia, mesmo tendo sido escrito para ser levado a sério e sem nenhuma intenção de ser engraçado. O musical fechou com o prejuízo de 3 milhões de dólares, até então um dos maiores prejuízos que a Broadway já tinha visto. Nenhuma gravação em estúdio foi feita e acredita-se que nenhuma gravação em bootleg sobreviveu ao tempo, ou que ninguém teve o interesse de gravar na época.

Comercial da TV:

Críticas da TV e cenas do musical: 

Via Galactica
Estreia: 28 de novembro de 1972
Número de sessões: 15 previews e 7 apresentações

viaglUma forma de identificar um flop: a história é tão confusa que a explicação do enredo precisava vir anexada ao Playbill. O musical Via Galactica foi um espetáculo de ficção cientifica que se passava no ano de 2972 e contava a história de amor de um rapaz por uma rebelde, que pretendia fugir para outro sistema solar. Cabia ao rapaz escolher ficar para sempre na Terra ou fugir com a garota para as estrelas. A história era dividida em dois atos, como todos os outros musicais, mas cada ato foi dividido em 4 partes, o que fazia as pessoas não entenderem a ligação de uma parte com a outra. O texto era tão problemático que faltava algo muito importante, o público sentir empatia ou qualquer sentimento pelos personagens. O musical contava com um nome de peso, Galt MacDermot, responsável pelas composições do musical Hair e também do flop Dude (citado na primeira parte desse artigo). As músicas do espetáculo mantinham o que MacDermot sempre soube fazer bem: rock e country com uma pegada gospel. Mas o que MacDermot nunca esperava ter eram dois fracassos seguidos em um mesmo semestre, aparentemente sem aprender nada com os erros do musical Dude.
Via Galactica era pretencioso, utilizava efeitos visuais que não impactavam o público, muita pirotecnia e projeções, e o palco ainda era composto de várias camas elásticas para dar o efeito de leveza dos corpos no espaço. A produção se vangloriava da gigante estrutura que o palco tinha, utilizando todo o espaço, do chão até o teto do teatro. Durante as previews, vários atores tiveram problemas sérios com todo o aparato cenográfico. Raul Julia, que fazia o mocinho apaixonado, ficou preso numa espaçonave cenográfica sob a orquestra e tiveram que parar o espetáculo por 20 minutos para tirá-lo de lá. Irene Cara, que veio a fazer muito sucesso com o filme Fame anos depois, também teve problemas durante as previews, quando uma das camas elásticas a jogou para fora do palco. Via Galactica foi o espetáculo que inaugurou o Uris Theatre, que hoje é conhecido como Gershwin Theater, onde Wicked faz sucesso desde 2003. Na época, inaugurar um teatro com um grande fracasso era visto pelos proprietários como um perigo para os negócios, algo que hoje em dia já não é uma preocupação. O musical foi o primeiro a perder mais de 1 milhão de dólares, e é outro que jamais teve uma gravação em estúdio da trilha.

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The Best Little Whorehouse Goes Public
Estreia: 10 de maio de 1994
Número de sessões: 28 previews e 16 apresentações

best-little-whorehouse-goes-public-poster-2Se você está acostumado apenas com os grandes sucessos da Broadway, então temos que interromper um pouco antes de falar desse musical. “The Best Little Whorehouse Goes Public” é uma sequência do aclamado “The Best Little Whorehouse in Texas”, que em 1978 foi indicado a 6 Tony Awards e ainda teve uma adaptação cinematográfica em 1982. O musical conta a história real de um prostíbulo no Texas que está aberto há mais de um século, comandado por Mona Stangley, que é fechado após pressão do xerife com influência da mídia local. O filme foi estrelado pela rainha country Dolly Parton, fazendo par com Burt Reynolds. E pasmem! No filme, temos a icônica canção “I Will Always Love You” consagrada por Whitney Houston, que poucos sabem que é originalmente de Dolly Parton. A produção original da Broadway teve 1584 apresentações, ficando 4 anos em cartaz. Mas então, 16 anos após esse grande sucesso, os mesmos criadores, Carol Hall, Larry L. King e Peter Masterson, tiveram a ideia de fazer uma sequência do musical.
Vamos combinar que sequências em musicais não funcionam, algo que Andrew Lloyd Webber aprendeu muito bem recentemente, com Love Never Dies.
A história da continuação é parecida com a original. Mona Stangley é convidada pela Receita Federal a gerenciar um prostíbulo em Las Vegas (onde a prostituição era permitida) para tentar recuperar 26 milhões de impostos. Enquanto isso, um senador da direita conservadora tenta fechar o bordel. As críticas, logicamente, detestaram o espetáculo, não só porque a continuação se parecia muito com o original, mas por ser um musical tedioso, com coreografias exageradas e uma cenografia que parecia ser de segunda mão. A maior parte das críticas falava de uma das músicas de abertura do segundo ato, chamada “Call Me”, em que várias mulheres ficavam em cabines fazendo o serviço de sexo por telefone, enquanto os homens do outro lado da linha estavam em cima dessas cabines, seminus. O musical ficou famoso na época por ser o primeiro e último espetáculo da Broadway a utilizar o recurso de “infomercial” (aqueles comerciais americanos longuíssimos que tentam vender um produto por telefone), que era tão constrangedor quanto o restante do espetáculo. Felizmente, a produção conseguiu lançar uma gravação em estúdio, uma das únicas coisas consideradas boas, já que músicas como “I’m Leaving Texas” e “Change In Me” até hoje são consideradas showstoppers.

Cena da música “Call Me”:

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Bring Back Birdie
Estreia: 5 de maio de 1981
Número de sessões: 31 previews e 4 apresentações

bringE voltamos à máxima “NÃO FAÇA CONTINUAÇÕES DE MUSICAIS!”. Bring Back Birdie é a continuação do famoso Bye Bye Birdie, de 1960, estrelado por Chita Rivera e Dick Van Dyke, que foi indicado a 8 Tony Awards, ganhou 4 deles, incluindo o de melhor musical, e teve uma adaptação cinematográfica em 1963. A história original nos apresenta a família MacAfee, que é afetada com a vinda do cantor Conrad Birdie para a sua pacata cidade, na qual Conrad Birdie irá escolher uma garota do seu fã clube para quem cantar a última música antes de se alistar no serviço militar. Já na continuação, Bring Back Birdie, o enredo mostra o que aconteceu com os personagens 20 anos depois. Albert Peterson, que foi o responsável por escrever um dos maiores sucessos de Conrad Birdie, tem uma oferta de 20 mil dólares para se reencontrar com Birdie e convencê-lo a se apresentar no Grammy Awards. Nessa jornada, Rose (Chita Rivera, reprisando o personagem) se junta ao marido Albert em busca de Birdie. Quando Albert encontra Birdie, ele está muito acima do peso e é prefeito de uma pequena cidade no Arizona. No meio dessa caçada ao Birdie, Albert e Rose precisam lidar com a filha rebelde, que foge de casa para entrar num culto Hare Krishna, e os outros filhos que resolvem entrar numa banda punk rock (linda história).

O musical não teve try-outs em outras cidades, estreou diretamente na Broadway, e teve muitas previews caóticas, quando nada parecia funcionar, principalmente o cenário cheio de televisores. Charles Strouse, Lee Adams e Michael Stewart, os criadores originais de Bye Bye Birdie, foram os responsáveis por essa continuação desastrosa, em que nem mesmo o retorno de Chita Rivera à personagem Rose fez as críticas falarem bem do espetáculo. A maior parte das críticas dizia que dava claramente para perceber que as novas músicas eram cópias do musical original. Um exemplo era a música “Moving Out”, a segunda música do primeiro ato, que era cópia da clássica “The Telephone Hour” do original. Na cena original, várias adolescentes fofocam ao telefone e criam uma cena linda em que as conversas são intercaladas. Já na continuação, acontece basicamente a mesma coisa, só que ao invés de usarem telefones com fios, os personagens aparecem com telefones mais modernos, sem fio. Outra crítica também dizia que, em um ponto do espetáculo, parecia que cada ator tinha recebido um libreto diferente, já que nada mais fazia sentido e ninguém se importava com os personagens. No fim das contas, todas as críticas apontaram uma única coisa boa na continuação: o momento do agradecimento final, quando Chita Rivera cantava a música “Rosie”, que encerrava o musical Bye Bye Birdie. Foi uma das soluções encontradas para o público sair pelo menos um pouco satisfeito revendo Chita cantando o showstopper do musical original, que vergonhosamente não era nem anunciado no playbill. O show foi considerado grotesco, de mau gosto, em especial pelas músicas de punk rock, e uma das piores coisas já vistas na Broadway. Na época, as críticas diziam que não fazia sentido algum essa continuação, porque os produtores teriam sido muito mais bem-sucedidos se tivessem simplesmente montado um revival de Bye Bye Birdie. Apesar da curta temporada, o musical recebeu uma gravação em estúdio.

Ato 1 completo: