Nada é eterno no mundo do teatro musical, nem mesmo a montagem de Phantom of the Opera na Broadway. Muitos musicais esperavam ficar pelo menos alguns anos em cartaz, mas não passaram de meses ou semanas (ou até mesmo dias!). Há alguns fracassos (ou “flops”) da Broadway que foram totalmente esquecidos , enquanto outros são aclamados pelo público até hoje apesar de toda a critica negativa.
Vamos listar aqui apenas cinco dos maiores fracassos da Broadway (apresentados ao público entre os anos 60 e 80), mas que merecem ser lembrados, seja pela qualidade do material, seja por fatores históricos.

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Breakfast at Tiffany’s
Estreia: nunca teve estreia oficial
Número de sessões: 4 previews (12 de dezembro de 1966)

Um dos maiores fracassos da Broadway, que não chegou nem a abrir oficialmente, foi a versão musical do livro e filme A Bonequinha de Luxo. Mesmo com grandes nomes na produção como Bob Merrill (letrista de Funny Girl) e Mary Tyler Moore interpretando a protagonista, o musical já sofria desde os primeiros chamados try-outs, pré-estreias para testes fora de Nova York. O libreto como era no primeiro try-out na Filadélfia foi totalmente descartado e quando o espetáculo chegou a Boston outro libretista foi contratado, fazendo com que o diretor original Abe Burrows (Guys and Dolls e How to Succeed in Business Without Really Trying) também saísse da produção. Quando o musical chegou à Broadway decidiram mudar o nome do espetáculo para Holly Golightly. Durante as previews, pré-estreias antes da estreia oficial, os atores recebiam material novo algumas horas antes da cortina subir. A decisão de fechar a produção foi do produtor David Merrick, que foi até o The New York Times publicar sobre o ocorrido, dizendo preferir fechar a produção a fazer o público perder tempo, mesmo já com grande procura de ingressos. Na última preview, as músicas foram gravadas ao vivo e lançadas em vinil. Em 2001, as composições foram gravadas com alguns atores originais e lançadas em CD pelo selo “Original Cast”, famoso por produzir gravações obscuras de musicais. 

Imagens raras de ensaios do Breakfast at Tiffany’s

 


dude_playbillDude

Estreia: 9 de outubro de 1972
Número de sessões: 16 previews e 16 apresentações

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“Foothill” (pé da montanha), um dos setores do teatro que era dividido por ambientes

O que criadores mais almejam após um grande sucesso é criar uma outra obra com as mesmas proporções. Não foi o caso do Galt MacDermot e Gerome Ragni, que em 1967 cocriaram Hair com James Rado. A música de Dude continha a mesma vibe folk e country-rock de Hair, mas o libreto enfadonho não ajudou o musical. Contava a história de Dude, concebido por Adão e Eva após serem persuadidos pelo demônio Zero. Já na juventude, Dude precisa percorrer à “Highway Life” evitando as artimanhas de Zero, que quer possuí-lo. O musical era embalado pelos temas de drogas ilícitas e práticas sexuais e era encenado em um Broadway Theatre totalmente desconstruído para abrigar o musical. O palco no estilo arena, propositalmente cheio de terra, contava com passarelas que levavam até o mezzanino na tentativa de criar diferentes ambientes, como o inferno e o céu. Além disso, os atores eram constantemente elevados para diferentes lugares do teatro, onde ficavam vários microfones pendurados. A produção passou por vários problemas desde seu início, como atores desistindo e troca do ator principal durante previews. Após a estreia, a crítica detonou as falhas de som, já que os instrumentos eram espalhados por vários cantos do teatro, e o fato do espetáculo ser muito alegórico e ter uma história difícil de acompanhar. O musical fechou após 16 apresentações e os produtores tiveram um prejuízo de 800 mil dólares.

Trilha sonora completa do musical Dude

 

sarava_posterSaravá
Estreia: 12 de fevereiro de 1979
Número de sessões: 38 previews e 101 apresentações

Eis aqui um flop da Broadway com uma história bem famosa. Dona Flor é casada com Vadinho e ele é assassinado. Dona Flor casa novamente com Dr. Teo e o fantasma de Vadinho volta para atormentar Dona Flor. Sim, a famosa obra de Jorge Amado, Dona Flor e Seus Dois Maridos, já foi montada na Broadway em formato

Uma das fotos do raro programa de luxo

Uma das fotos do raro programa de luxo

de musical. Mesmo com Tovah Feldshush, famosa pela peça Yentl no papel de Dona Flor e composições de Mitch Leigh, consagrado pelas músicas de Man of La Mancha, Saravá cometeu o erro de abusar de propagandas que o vendiam como um musical divertido e animado, quando na realidade não era nada disso. O musical teve sua data de estreia adiada três vezes, mas enquanto isso críticas pesadas já

tinham saído nos jornais e fizeram o público não ter interesse pelo show. Os críticos disseram que o musical era vulgar e tinha um toque de amadorismo: para que o público entendesse que o Vadinho visto no palco ao final do primeiro ato era um fantasma, o ator PJ Benjamin passava pelos corredores do teatro sussurrando “boo…”, na tentativa de imitar um fantasma. Outra coisa que não ajudou a produção foi o fato de, logo após a estreia, o musical ter sido transferido do Mark Hellinger Theatre para o Broadway Theatre. As críticas gerais após a estreia foram todas negativas

 


Comercial usado para divulgar o musical Saravá


Tovah Feldshue cantando duas a música tema do espetáculo
 

 

carrieposterCarrie
Estreia: 12 de março de 1988
Número de sessões: 16 previews e 5 apresentações

A rainha maior de todos os flops, Carrie perdeu a quantia de 8 milhões de dólares, o que mesmo hoje, com valores corrigidos, ainda é considerado dos maiores fracassos financeiros da Broadway. Carrie é baseado no livro de Stephen King sobre a garota com poderes de telecinesia que sempre sofreu abuso dos colegas de escola e da mãe fanática religiosa e que acaba por se vingar de todos com seus poderes.
Carrie era uma produção da Royal Shakespeare Company de Stratford, Inglaterra, que teve início em fevereiro de 1988 com Linzi Hateley no papel de Carrie e Barbara Cook interpretando a mãe dela, Margaret White. Após a primeira apresentação em Stratford, Barbara Cook decidiu deixar o elenco depois de ser quase decapitada pelo cenário, o que deu espaço à entrada de Betty Buckley, que já tinha feito o filme Carrie (1976) como a professora de educação física. Após a temporada inicial de 4 semanas em Stratford, mesmo com críticas negativas, os produtores resolveram investir oito milhões de dólares para levar a produção inteira para a Broadway. Desde a produção de Stratford até a abertura oficial na Broadway, o roteiro passou por diversas mudanças diárias, chegando a causar tumultos nos

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Figurino dos adolescentes de gosto bem duvidoso

bastidores quando os compositores apareciam meia hora antes da cortina subir com uma música nova, exatamente o que aconteceu na noite da primeira preview na Broadway. O fracasso de Carrie se deu por inúmeros fatores, mas basicamente o musical acabou fechando devido à crueldade das críticas especializadas. A atuação de Linzi Hateley e Betty Buckley, juntamente com as composições Dean Pitchford (responsável pela música de sucesso de Fame e Footloose), sempre foram os pontos altos do espetáculo, mas o libreto muito mal escrito, que confundia o público, foi um dos grandes responsáveis pelas críticas negativas. Quem não tinha lido o livro ou visto o filme antes não fazia ideia do que se passava, já que em nenhum momento eram citados os poderes da Carrie. A coreografia de Debbie Allen (coreógrafa do filme e da série de TV Fame) foi excessiva e não casava com a história, muito menos com a música. Os figurinos também não eram coerentes, já que adolescentes jamais usariam as roupas apresentadas que abusavam de elastano e alguns figurinos eram basicamente roupas de toureiro. O cenário mínimo também não ajudava a contar a história e os efeitos especiais eram considerados pobres. A famosa cena da destruição ao final do espetáculo era feito com raio laser vermelho, faíscas e muita gritaria do elenco. Apesar de o musical ter sido massacrado pela crítica, a atriz Betty carrie2Buckley sempre conta em entrevistas como era surreal a receptividade ao final de cada espetáculo, as luzes se apagavam e as pessoas começavam a vaiar, mas no instante em que todos voltavam para os agradecimentos, o teatro vinha abaixo com o público ovacionando de pé. Com isso, após o anúncio do encerramento após somente 5 apresentações o musical se tornou cult, pois era o ingresso mais desejado da Broadway e também por todas as questões negativas que fizeram as pessoas correrem para conseguir os últimos ingressos.

Nos anos 2000, os criadores envolvidos voltaram a trabalhar no musical , reescrevendo o libreto e compondo novas canções. Apenas em 2012 Carrie teve uma segunda chance, com seu primeiro revival Off-Broadway, já com todas as mudanças feitas. Após esse revival, os direitos do espetáculo foram colocados à venda e nos dias de hoje Carrie é considerado um dos musicais favoritos para se montar em escolas.

 

Betty Buckley e Linzi Hately fazendo jus aos personagens e a história
na embelmática “And Eve Was Weak”
 

 

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Estreia: 28 de abril de 1988
Número de sessões: 17 previews e 68 apresentações

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David Carroll e Judy Kuhn na proudção original da Broadway

Ter um “concept album” e singles que estouraram nas paradas britânicas e até nas americanas não é exatamente a fórmula do sucesso. Em 1984, o álbum Chess de Björn Ulvaeus, Benny Andersson e Tim Rice entrou rapidamente na lista de álbuns mais vendidos no Reino Unido, juntamente com os singles “I Know Him So Well” e “One Night in Bangkok” (que chegou a ficar em terceiro lugar na Billboard americana). Mesmo com o sucesso da montagem original do West End que ficou três anos em cartaz, entre 1986 a 1989, o pior dos erros desse musical não foi ser levado à Broadway, mas sim a tentativa de reformulá-lo para o público americano .
Para a versão americana, o dramaturgo Richard Nelson foi convidado para reescrever a história, e ele não teve misericórdia alguma com o musical original. Na história original, os Estados Unidos perdiam para a União Soviética em um campeonato de xadrez, ou seja, havia a preocupação de não ferir o ego dos americanos apresentando a história dessa forma. Mas não foi apenas isso que mudou. Foram acrescentadas músicas novas, personagens novos e diversas subtramas que deixaram o musical maior do que já era no West End. Enquanto na versão original londrina a produção era praticamente sung-through (toda cantada), na versão americana um terço do espetáculo era falado, em um esforço de explicar toda a história. Muitos acreditam que a melhor coisa acrescentada à versão americana foi a música “Someone Else’s Story”, que até hoje é considerado o melhor solo feminino do musical. 
A noite da primeira preview foi praticamente catastrófica. O musical teve 4 horas de duração, duas horas cada ato, com 90 minutos de intervalo devido a problemas no cenário, que era um dos mais tecnológicos da época. Na noite de estreia, o musical já havia sido reduzido para 3 horas e 15 minutos. Chess sempre teve 80% da capacidade do teatro vendido, o que não era ruim, mas a maioria dos ingressos era vendida por valores especiais e reduzidos, de forma que, mesmo se o teatro estivesse lotado todas as noites, não seria possível pagar os gastos com o espetáculo. Após o fracasso na Broadway, Chess nunca mais foi remontado no West End ou na Broadway de forma completa, sempre sendo apresentado no formato “in concert”. A versão da Broadway foi totalmente esquecida e poucos elementos, como a música “Someone Else’s Story”, foram adicionados à versão existente hoje.

Imagens promocionais do musical Chess na Broadway
 

  • Vitor RC

    Flop mesmo foi Merrily we roll along

    • Rafael Nogueira

      Foi sim. Mas foi a escolha de não citar nenhum musical do Sondheim porque já falamos bastante no podcast.